Andar. Por si só é algo que me agrada.
Muitas vezes sozinho e sem direção é que acabo nestas circunstâncias descobrindo
estórias e personagens desconhecidos que depois me veem na lembrança.
Talvez esta se inicie com uma música (não poderia ser diferente numa
estória de amor). Sempre que a escuto não tem como não lembrar de um certo
indivíduo que vi um dia pelo centro da cidade.
Não era dia de tanto movimento. Era ali na Rua do Lazer, abaixo de um
velho prédio de janelas grandes e abertas. Poderia-se dizer um cortiço
horizontal que abrigava pessoas extraordinárias pelos fins dos anos 1990. Estas
mesmas janelas que tinham tantas coisas para contar. Que dias antes passando
por ali, se não me engano, havia visto por entre as cortinas transparentes dois
corpos nus andarem de um lado para o outro. Talvez este fato, fosse fruto da
minha imaginação adolescente.
No entanto, o personagem e a música em questão me apareceram num fim de
tarde de sábado neste mesmo lugar. Trabalhava ali por perto como entregador de
uma drogaria. Eis que de longe surge pelas ruas tranqüilas um inquieto sujeito,
magro, com um tênis de futsal, bermuda e camiseta cavada portando um violão.
Sozinho tentava agitadamante afinar uma nota. Andava de um lado para o outro,
procurando uma melodia. Foi logo abaixo das janelas de cortinas transparentes e
corpos nus de semanas atrás que ele parou. Estava em pé quando seus olhos
elevados de desespero entoou um canto forte e profundo: "Se
eu soubesse que ia ser assim/ Tudo por Nada/ E confesso que acreditei, em meias
verdades/ Você nunca me disse, Te amo/ Mas também não disse que não...".
Tudo por Nada, sucesso recente de
Paulo Ricardo, ex-integrante do RPM. Não sei de onde aquele sujeito magro,
quase faltando corpo para sustentar-se, tirou tanto fôlego para se fazer ouvido
sabe-se lá por quem. O seu canto era tão sincero e afinado, que me surpreendi.
Havia poucos presentes para testemunhar sua ousadia. Em seu canto solitário,
insistiu com seus olhos para o alto como a terra seca que espera o milagre da
chuva. Não desistia. Cantava para ser ouvido por todos. O seu coração estava
ali, aberto e ao mesmo tempo sangrando. Após alguns minutos, sem resposta da
janela aberta, em prantos desceu pela rua em direção à Anhanguera. Somente as
cortinas acima acenavam com a ajuda de uma leve brisa o seu canto lamentoso.
Não sei por que me veio na lembrança este fato agora. Talvez pela música
que surge no rádio neste instante. Talvez por que me intriga tentar saber o que foi feito da paixão que ascendia aquele
peito sofrido. Não sei quem era. Talvez estes escritos sejam a única lembrança
de parte de sua biografia pela vida. Se
sobreviveu, retornou aos braços de quem
amava ou encontrou um novo amor? Não sei. Só sei que depois de muitos anos
passados, penso que aquele fato da janela dias antes, talvez não fosse fruto da
minha imaginação adolescente. Talvez fosse o começo de tudo.
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