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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Amor I


            Andar. Por si só é algo que me agrada. Muitas vezes sozinho e sem direção é que acabo nestas circunstâncias descobrindo estórias e personagens desconhecidos que depois me veem na lembrança.
Talvez esta se inicie com uma música (não poderia ser diferente numa estória de amor). Sempre que a escuto não tem como não lembrar de um certo indivíduo que vi um dia pelo centro da cidade.
Não era dia de tanto movimento. Era ali na Rua do Lazer, abaixo de um velho prédio de janelas grandes e abertas. Poderia-se dizer um cortiço horizontal que abrigava pessoas extraordinárias pelos fins dos anos 1990. Estas mesmas janelas que tinham tantas coisas para contar. Que dias antes passando por ali, se não me engano, havia visto por entre as cortinas transparentes dois corpos nus andarem de um lado para o outro. Talvez este fato, fosse fruto da minha imaginação adolescente.
No entanto, o personagem e a música em questão me apareceram num fim de tarde de sábado neste mesmo lugar. Trabalhava ali por perto como entregador de uma drogaria. Eis que de longe surge pelas ruas tranqüilas um inquieto sujeito, magro, com um tênis de futsal, bermuda e camiseta cavada portando um violão. Sozinho tentava agitadamante afinar uma nota. Andava de um lado para o outro, procurando uma melodia. Foi logo abaixo das janelas de cortinas transparentes e corpos nus de semanas atrás que ele parou. Estava em pé quando seus olhos elevados de desespero entoou um canto forte e profundo:  "Se eu soubesse que ia ser assim/ Tudo por Nada/ E confesso que acreditei, em meias verdades/ Você nunca me disse, Te amo/ Mas também não disse que não...". Tudo por Nada, sucesso recente de Paulo Ricardo, ex-integrante do RPM. Não sei de onde aquele sujeito magro, quase faltando corpo para sustentar-se, tirou tanto fôlego para se fazer ouvido sabe-se lá por quem. O seu canto era tão sincero e afinado, que me surpreendi. Havia poucos presentes para testemunhar sua ousadia. Em seu canto solitário, insistiu com seus olhos para o alto como a terra seca que espera o milagre da chuva. Não desistia. Cantava para ser ouvido por todos. O seu coração estava ali, aberto e ao mesmo tempo sangrando. Após alguns minutos, sem resposta da janela aberta, em prantos desceu pela rua em direção à Anhanguera. Somente as cortinas acima acenavam com a ajuda de uma leve brisa o seu canto lamentoso.

Não sei por que me veio na lembrança este fato agora. Talvez pela música que surge no rádio neste instante. Talvez por que me intriga tentar saber o  que foi feito da paixão que ascendia aquele peito sofrido. Não sei quem era. Talvez estes escritos sejam a única lembrança de parte de sua biografia pela vida.  Se sobreviveu,  retornou aos braços de quem amava ou encontrou um novo amor? Não sei. Só sei que depois de muitos anos passados, penso que aquele fato da janela dias antes, talvez não fosse fruto da minha imaginação adolescente. Talvez fosse o começo de tudo.


terça-feira, 12 de agosto de 2014

Rosa dos Ventos




Pelos caminhos de uma estrada
uma placa me dizia:
            Atenção!
Perigo a 100 metros.

Quanto perigo há em um jardim
de rosas vermelhas?

Sem Título

Tão intenso e perigoso,
nos dois corpos
foi aquele gozo.

Cinema Mudo


Que a vida mesmo pode ser
simples e delicada.
No silêncio do cinema,
sem mesmo uma palavra.


Nudez


Vou despir de mim de vez
a estupidez,
expor instantes vergonhas da minha nudez.

Rasgar do peito esta roupagem adquirida
herança inútil de uma vida mal sentida,
cometida.

Vou despir de vez a embriaguez,
expor instantes pensamentos da minha insensatez.

Rasgar do corpo este momento
mal vivido
sempre vestido
impregnadas pelo velho mundo sempre assistido.

Vou expor de vez minha nudez
todos atos, pensamentos
desta minha robustez.
Defeitos fartos do mundo convivido.

Quando estiver exposta esta nudez,
não atirem as pedras sobre mim,
pois a vergonha que vos mostro
não é nada mais que o mundo em que viveis.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Cidades Rebeldes


Ao abrir o envelope, percebeu a carta pretensiosa de Miguel Ruiz endereçada ao Ministro da Justiça. Solicitava ele ao digníssimo, como bom contribuinte, o comando da Força Nacional durante sete dias para derrubar o poder. Ao receber a óbvia resposta do não, Miguel - perseverante em suas convicções - pôs-se a recrutar nas ruas de sua cidade o povo. Diante de argumentos tão convincentes, o povo convencido e indignado, resolveu comparecer ao seu apelo no dia e  hora marcados.  Foi no exato dia em que aquele político que não acreditava em Deus foi á igreja. Temia Ele ser castrado em sua dignidade.

Miguel, feliz com aquela demonstração de tamanha força, contemplava do alto de um muro a multidão. Em seu pensamento, via a força que o povo tem para encurralar seus algozes.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Gosto da vida

Quero sentir o gosto da vida.
Não amargo,
mas livre, desinibida e as vezes um tanto quanto
solitária.

A classe periférica vai ao Shopping Center.

(Gleison Gomes)


Parafraseando o título do filme do cineasta italiano Elio Petri (A classe operária vai ao paraíso/1971) venho aqui expor minha reflexão sobre os acontecimentos e preconceitos ainda existentes, expostos nos últimos dias. Mesmo que todo mundo diga que há leis que procurem coibir todo tipo de preconceito, percebemos dentro dessa história, a nossa hipócrita sociedade dominada por uma decadente classe dominante, pela voracidade de uma mídia sedenta de audiência e pela hipocrisia dos governantes deste país. Governantes estes, responsáveis por toda esta desigualdade vivida a cada dia diante de nossos olhos.


Mesmo que ainda alguns me venham dizer que estamos melhores do que antes, o contraste entre dominantes e dominados ainda é notório. Basta olhar estes últimos acontecimentos protagonizados nos últimos dias para perceber que ainda estamos longe de uma igualdade proclamada por muitos. E nisto não quero defender A ou B, do ponto de vista dos governos mais “progressista” ou reacionário conservador que este país já teve. A questão é que estes problemas e o preconceito existente contra o pobre marginalizado da periferia vêm de séculos e séculos em nosso país. Isso sim é algo que já deveríamos ter superado há muito tempo. Entretanto nenhum governo deu conta de solucionar de fato este problema, a fim de dar dignidade de fato aos excluídos deste país. Educação, Saúde, Segurança, Lazer e Cultura sempre foi propaganda enganosa no Brasil. Aliás, ninguém quer solucionar, pois talvez seja mais fácil investir em estádios de futebol (e dar dinheiro à FIFA) ou de gastar o dinheiro público em reformas de rodovias, por exemplo, e depois entregar á preço de banana para iniciativa privada faturar sobre a dolorida vida dos trabalhadores desta nação. E viva o pedágio. 


Mas a questão que me trouxe escrever aqui é demonstrar que os episódios se repetem. Recentemente assisti o documentário “Hiato” (2008) do diretor Vladimir Seixas. Este vídeo, gravado após 8 anos do episódio, nos mostra a ocupação de um shopping do RJ em 2000, por vários moradores da periferia do Rio e membros do movimento dos sem teto. Ao assistirmos parece ser toda repetição do que estamos vivenciando neste momento. Ao comparar os fatos, percebe-se novamente que, após 14 anos, a coisa continua a mesma. Os problemas sociais e de preconceitos ainda são muito fortes dentro do ser humano. Numa fala do filme, talvez o que mais me chamou a atenção, é o fato de uma das participantes, totalmente lúcida de sua atitude, verificar que esperava tudo da polícia, dos donos das lojas e de todo tipo de retaliações que obtiveram, mas na opinião dela, foi estar estarrecida com o olhar de desprezo dos próprios trabalhadores do shopping. Coisa que pra ela, ninguém havia pedido que tais pessoas agissem desta forma. Coisas do ser humano e de um processo de falta de consciência coletiva sobre os processos de dominação e exploração em nosso país. O filme é ótima recomendação para olharmos o sentido em que a vida vem tomando por conta da nossa imobilidade e aversão política, reproduzindo as idéias e os jargões muitas vezes conservadores e dominantes em nosso meio. 

No entanto, ao em expressar aqui e mesmo tendo muito pra falar, fico aqui com estas indagações e questionamentos, compartilhando minha indignação contra nossa sociedade, contra nossos governantes e contra nós mesmos, esperando de fato que a periferia não vá somente aos shoppings centers (ato mais do que justo como forma de protesto), mas que se aproprie de uma discussão política ampla que assuma de fato uma transformação social geral nas bases de sua estrutura, a fim de combater todo tipo de exploração e preconceito existente. Por fim, compartilho o vídeo, disponível no youtube pra quem interessar.

http://www.youtube.com/watch?v=UHJmUPeDYdg