Pesquisar neste blog

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Contos Urbanos I

Pregações
(Gleison Gomes)

Era uma distribuidora de bebidas comum senão fosse Eva, moradora da casa ao lado. Seu defeito? Tinha um péssimo hábito de pregar aos berros pelo menos três vezes por semana durante a tarde. Era um modo que encontrava de ser ouvida pelos etílicos de plantão. Abria o seu livro e punha-se ao microfone a gritar.
Perambulavam por ali boêmios, mendigos e trabalhadores em busca de uma boa conversa. Já estavam tão acostumados com o berreiro que nem ligavam mais.
Havia por lá um senhor idoso, morador de rua, conhecido por Zé Cachaça. Volta e meia aparecia no lugar sem dinheiro pra variar. Sempre ia ao encontro de algum “gente boa” que lhe pagasse uma dosinha. Em algumas ocasiões conseguia, em outras, era expulso por tanto aborrecer o dono do estabelecimento.
Certa vez o dono ficou sabendo que Eva estaria se mudando de lugar. Ficou tão contente que até deu de graça uma dose a Zé Cachaça. O problema era que Eva não tinha ninguém que a seguisse. Decepcionada, decidiu buscar novos rumos por outras bandas.
Um dia Zé Cachaça resolveu atentar o dono da distribuidora. Pelejou tanto por uma dose de cachaça, que acabou por levar umas vassouradas pelo corpo. O dono revoltado, dizia ser Zé o próximo encosto a sair de sua vida.
Mas naquela tarde, o Zé deu de se vingar.
Era a ultima vez que Eva falaria ao microfone pra alegria do dono. Até tinha um povo que ficou atento praquela ultima aparição. Quando a gritaria começou, Zé Cachaça saiu dum monturo de lixo com os braços abertos gritando aleluia. Meio desengonçado, falava em alta voz pra todo mundo ouvir:
 – Deus há de me guiar, que pra este lixo num volto mais.
Imediatamente Eva se aproximou de Zé Cachaça, colocando suas mãos sobre a cabeça do coitado, ungiu suas ultimas palavras àquele homem:
– Eita que eu ia embora, mas daqui não saio mais.

E assim continuou... Por muito tempo desta forma, morando na casa ao lado.


(Para o etílico amigo Paulão)

Nenhum comentário:

Postar um comentário