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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Esquecimento

(Gleison Gomes)
Foi um dia qualquer. Levantou-se da cama cheio de vida. Respirando fundo e demonstrando uma disposição raramente visto nas pessoas, saiu do quarto, passou pelo banheiro a se arrumar e caminhou para a cozinha. Deu um beijo em sua mãe e pôs-se a comer uma bela fatia de bolo com café.
De longe ouviu o canto dos pássaros que passavam por ali toda manhã. Saiu pela área e lembrou das plantas que cercavam aquela casa. Viu naquele mesmo instante a oportunidade que há muito tempo não costumava fazer: molhar as plantas. Lembrou das Samambaias, da Jibóia, das Sete Ervas, do Amor Perfeito e de outras tantas plantas que não prestava mais sua contemplação. De longe, um olhar encabulado de sua mãe a observar.
Pegou sua bicicleta e saiu pela rua a pedalar. Tinha em mente visitar as pessoas que conhecia. Primeiramente foi até a casa da Raimunda para saber notícias. Lá, olhou o pé de manga que tantas vezes tinha subido quando criança. A horta estava verde, bonita como sempre.
Sobre uma velha mesa de madeira, ao lado da dona Fia e da Mundinha, soou uma conversa boa, que há muito tempo não tinha com aquelas idosas. Coisas lá do Norte. Lembranças da carne seca, do cuscuz com leite de coco, da tapioca com manteiga do sertão, da música de Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Jackson do Pandeiro. Quantas coisas, pensava ele, deixara de viver.
 De longe viu chegando o seu Leônidas trazendo em suas mãos um pedaço de queijo coalho que havia trazido de uma recente viagem que fez a Mossoró.  Ficou sabendo por meio dele das tias que se retiraram para aqueles lados. Conceição e Dona Isabel haviam se habituado bem por lá. Não pensavam mais em voltar a não ser por passeio. Mandaram-lhe um cartão com a foto de Padre Cicero Romão, desejando a todos nós muita saúde e Deus no coração. Deu vontade de chorar. Quantas saudades despertou. Jogou mais uns minutinhos de conversa fora e naquele momento se despediu do povo seguindo seu caminho. Ainda haveria um grande dia a aproveitar.
Pedalando pelas ruas tranqüilas daquele bairro, avistou na rua São Sebastião um grande amigo. Parou e se abraçando ao velho amigo Waltinho, despertou em sua mente novas lembranças da infância. Era uma época em que os dois colecionavam discos de vinil. Passavam horas e horas da semana garimpando discos raros pelos sebos da cidade. Boas lembranças que acabaram levando-o para a casa do Waltinho, na hora do almoço.
Chegando, ligaram o velho Gradiente e puseram-se a ouvir um clássico do Raulzito. A música era Ouro de Tolo.
“Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês...”
Sentiu graça ao ouvir esta música, pois incomodava-lhe algo que havia esquecido. Deixou pra lá, não fez questão de lembrar. Seguiu para a mesa onde a comadre Ilda servia o almoço. Sentiu o gostinho caseiro da comida que não comia há tempos por causa da rotina. Era um bife acebolado com um arrozinho branco e um feijãozinho de caldo grosso. Mais simples, impossível. Era tudo que desejava. Juntos, ali na mesa, lembraram causos e histórias da escola, da rua, das menininhas que conquistavam com suas conversas e do trabalho que davam a dona Ilda quando garotos. Todos riam lembrando de tantas coisas que se passaram pela vida. A tarde foi curta pra colocar tanta conversa em dia e para ouvir tantos outros discos raros que haviam por ali. Mas ele tinha que ir embora. Mais uma vez se despediu do amigo prometendo voltar outro dia. Saiu com sua bicicleta.
Subindo ás ruas, ouviu seu telefone tocar. Era Amora o seu grande amor. Trocaram conversas e resolveram se encontrar perto da faculdade onde estudavam para ver o por do sol. Lá era o lugar perfeito para contemplar tamanha grandeza da natureza.
Chegou ao lugar, deixou sua bicicleta de lado e abraçando Amora, sentou no chão batido de terra e de grama rala. Dizia do maravilhoso dia que havia tido. Falou das suas lembranças da infância, do encontro com os amigos, do sentimento que sentiu e do mágico momento que ali estava ao lado dela. Lembrava de muitas coisas que havia feito pela vida. Porém, havia um incômodo esquecimento em sua cabeça. Não se lembrava do que era. Nem tão pouco fazia questão de esforçar-se para lembrar.
Ficou ali com ela no silêncio. Abraçados, contemplaram o sol se pôr no horizonte, levando o dia. Aquele lindo e belo dia em que se lembrava de tudo, menos que teria que trabalhar.


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